Ideal vs Realidade
- By George Alexandre
- 15 de jun. de 2019
- 6 min de leitura

A dor e a frustração da expectativa é o resultado da necessidade de transcender e construir sua realidade.
A existência encontra no construir, o sentido para sua razão de ser e de estar no mundo, dar vida e significado a existência, é enfrentar o conflito histórico entre o ideal e o real, e quando se fala nisso, fala-se em expectativas, daquilo que é, ou pelo menos foi o esperado, ou o desejado, do que está convencionado por uma instancia superior, proibições, evitações, direcionamentos, comportamentos etc., e qual é a sua relação conosco? Tem tudo a ver, com as frustrações, aquela sensação de decepção consigo mesmo, e a necessidade de buscar no interior uma identificação e uma relação, entre o hoje e com o que foi estabelecido, na infância pelos os pais, ou pelo que eles exigiam ou esperavam de nós, seja das redes sociais, com as quais nos relacionamos, ou mesmo da sociedade onde estamos inseridos..
Para Lacan,
“Na relação do sujeito com o outro como uma autoridade, o ego-ideal, obedecendo a lei de agradar, leva o sujeito a desagradar-se como o preço de obedecer ao mandamento; o eu ideal, com o risco de desagradar, triunfa apenas por desagradar apesar da ordem” (1966, p. 671)
É a tentativa de agradar o outro, como se vivêssemos para satisfazer os anseios que alguém colocou sobre nós, ou, que espera que façamos, assim só conseguimos nos realizar quando o outro se sente realizado em nós, falando de forma simples, é como uma perseguição para alcançar aquela marca, meta, condição ou referência, como se isso fosse o sinônimo de sucesso ou de ser bem sucedido.
A questão é que, perseguir essa ideia pode deixar marcas profundas no ser, é possível que, ao longo do caminho a sensação de impotência, de futilidade, de estar preso a um círculo interminável entre o desejo utópico imposto e a dura realidade frustrando, nossa existência de forma impiedosa, intratável e intragável, deixando a sensação de estarmos cada vez mais fora do desejado, deixando na alma a dor da desesperança, por não ter alcançado uma meta completamente fora de alcance.
A depressão é um dos transtornos mentais mais comumente associados e este quadro de frustração em decorrência da diferença entre o ideal (esperado) e o real (situação atual) segundo a OMS Organização mundial de saúde, é uma das principais causas de incapacidade no mundo, para se ter uma ideia estima-se que 300 milhões de pessoas são afetadas por essa condição que se caracteriza por tristeza, perda de interesse ou prazer, sentimento de culpa ou baixa autoestima, sono e apetite alterados, cansaço e falta de concentração, queixas físicas sem nenhuma causa aparente.
Outro problema desta questão, é que, este ideal proposto e marcado, torna-se, ao longo do desenvolvimento humano o alvo e destino do “auto amor” do indivíduo, ou seja a satisfação, só é possível quando se alcança tal ideal, e com isto vem então a obtenção do reconhecimento e da aprovação tão desejada e esperada, é o reconhecimento e a satisfação das figuras que marcaram nossa história durante desenvolvimento, que permanecem como fantasmas assombrando o presente, com suas cobranças e exigências, ora acusando, ou reprovando.
O resultado deste círculo frenético é a insatisfação de não conseguir a viver a vida, de estar sempre em busca “daquela aprovação”, sem a qual sua própria vida e a sua própria história não podem acontecer, não é possível ter uma identidade e um marca pessoal própria, devido a dívida que com os pais ou com as figuras que forma proeminentes na vida, é a insatisfação da espera daqueles que deveriam vir, “ou que precisam vir” para reconhecer a realização, e então emancipar, liberando da pendência.
Mas a dura realidade é que, elas não virão, não podem vir, por estarem mortos, ou por não serem mais os mesmos de ontem, e o que resta? resta apenas as sombras destas figuras marcando as consciências angustiadas e escravizadas pelas exigências impostas, utopias impossíveis que jamais serão realizadas a contento.
Os ideais herdados e internalizados, em sua maioria não se constituem de forma a contribuir para a formação de uma identidade consolidada, mas se aproximam muito mais de hábitos e convenções tradicionais, que não podem fazer frente aos transtornos enfrentados e as exigências de uma sociedade marcada pelo perfil de um comportamento líquido e pela fragmentação social.
“Numa terapia descobre-se que a vida adulta é sempre menos adulta do que parece, ela é pilotada por restos e rastros da infância” (Contardo Calligaris)
O resultado disto, é atuação em forma de conflito protagonizado pela dívida que atua na consciência afirmando tanto a futilidade quanto a irrelevância em perseguir e realizar nossos sonhos, e a crença de que nossos desejos e sonhos são de fato justos, que o clamor interno que é forma como se manifestam, são relevantes sim, e digno da nossa atenção, que, o reclame por um redirecionamento para aquilo que seria o humanamente possível e também aceitável, é válido e perfeitamente normal também.
É preciso entender que em algum momento de sua história, será necessário romper definitivamente, com o desejo do outro, que não é o teu propriamente, e que atua como uma ancora impedindo que sua própria aconteça, é o peso dos conteúdos e ideias introjetadas em sua vida, confundindo-se com seus sonhos, mas que na verdade, tem mais a ver com os sonhos do outro, do que com os seus.
“Os rituais ligam-nos ao passado, definem a nossa vida presente e apontam caminhos para o futuro, quando passamos de cerimônia em cerimônia, quando evocamos tradições de nossos antepassados e quando herdamos objetos e símbolos de nossos ascendentes” (Wolfgang Lind 2004 p. 3).
É o choque do real que desperta desafiando construção da sua identidade, que confronta suas realizações trazendo à tona o conflita da diferença entre a realidade e a idealização (realização ou cumprimento do esperado), imposta pelas exigências desde a infância, e que agora, diante ou comparada ao presente, ou seja, a realidade (presente atual, ser eu mesmo) deixa a impressão de que viver pode não ter nenhuma compensação, e que talvez, se, depender apenas e unicamente disto, seja impossível de ser alcançado.
“Tudo está pronto, a ponto de ser consumido e não mais exige do homem a construção de um sentido para tal: a poesia deu lugar ao mundo virtual, a sensualidade é objeto de marketing, a privacidade sucumbiu à sedução das comunidades on-line. O corpo está exposto e a intimidade devassada. Os jovens buscam nas drogas alguma compensação para a falta de uma razão de ser e de existir.” (Cláudia Carneiro Stella Abritta 2008)
A paz com a realidade, se dá por meio da construção de autoconsciência e autoconhecimento, cuja finalidade é o romper com aquilo que desejaram ver em você, e também com o que que há de bom, mas não foram capazes de perceber ou enxergar em você, é a viabilização das suas realizações, ou da sua própria realização, é o vai que sustentar e tornar o seu presente plenamente aceitável e plausível, permitindo satisfação e o desfrute de recompensas, apaziguando e compensando sua relação com o passado idealizado, e a diferença entre o real e o desejado.
“Não tenha medo de enfrentar a estrada sozinho, há momentos em que você terá que ser seu próprio herói” (autor desconhecido)
É por meio desta construção, que novos valores se instalam fortalecendo ou criando autonomia, gerando segurança para rever e alinhar os valores antigos ao novo self, para que haja equilíbrio e harmonia, regulando e ajustando nossos objetivos, auxiliando-nos em relação a aceitarmos quem somos, fazermos as pazes com nossa história, e nos reconhecermos e assumindo que somos, no aqui e agora, é o que permite dialogar com o presente com autenticidade e autonomia, ainda que nunca possa ser alcançado, mas que continua como uma referência
“O homem deve estar sempre endereçado a algo diferente dele próprio, para um sentido a realizar, para outro ser humano a encontrar, para uma causa à qual se entregar, para uma pessoa a quem amar” (Frankl, E.V. (1989, p. 28).
A inquietação advinda de uma crise de consciência, é a busca de um sentido para a vida, que, junto a crise de valores, e a busca de propósitos que possa dar à vida e ao ser e ao existir, é mais uma que enfrenta, indagando se é ou não alcançável, cabe-nos indagar se isso é alcançável ou não, e, ainda, como fazê-lo. A trajetória da construção desse sentido passa pelo resgate do simples, de se aceitar e aceitar a vida como é no real, mesmo que bem diferente do idealizado, é o aceitar a beleza livre do marketing capitalista, da arte, do sagrado, do sonho desperto, do sabor de viver cada dia por vez, do sentir e perceber a vida no que se faz, estar de fato naquilo que se propõe, se permitir experimentar e experienciar humanamente cada sentimento, e fragmento do viver, tanto as tristezas quanto as alegrias, vitorias e fracassos, enfim...ser real, ser você mesmo.
By George Alexandre Gomes, Psicólogo e Clínico e Coach, idealizador do blogo Sentido de Ser, que tem por finalidade ajudar pessoas em conflito, a superarem suas angustias ressignificando sua história e reencontrando o significado e alegria da vida.(Junho/2019) Antes de curar alguém pergunta-lhe se está disposto a desistir das coisas que o fizeram adoecer’ (Hipócrates)
Carneiro C; Abritta S.: Formas de Existir: a Busca de Sentido para a Vida 2008
Contardo Callegaris
Frankl, E.V. (1989). Um sentido para a vida: psicoterapia e humanismo. Aparecida, SP: Editora Santuário.
Jaques Lacan
Lind, W. (2004). A importância dos rituais familiares na construção da família. Revista Cidade Solidária [online], 11, 6-23. Acesso em 22 de outubro, de 2006, em http://www.scml.pt/ direscrita/media/revista/rev_11/rituais_familiares.pdf.
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